
Palavras em tempo de pandemia #2 | O mundo vai voltar a alinhar-se |
A mesa mal dava para uma pessoa, mas estávamos quatro lá sentados.
Dois casais. Duas gerações distanciadas por várias décadas.
Nós portugueses. Eles japoneses.
Não nos conhecíamos, mas era inevitável o contacto… quer físico, por batermos com joelhos, braços… como pelo olhar e sorriso meio envergonhado.
Eu, fascinada (e muito curiosa) sempre que podia mandava o olhar para lá e, entre dentes, comentava os actos de fofura que trocavam entre eles.
E assim seguia o pequeno-almoço, eles em japonês, nós em português.
Até que… de repente o senhor tenta abordar-me e eu só pensava na pena que tinha de não falar japonês…
Mas não me acanhei e tentei o inglês porque estava desejosa de falar com eles.
Eles eram indescritivelmente queridos. Baixinhos, velhinhos, simpáticos, educados, arranjadinhos… japoneses de gema!
E quando o diálogo começa…
“Desculpe. São de Portugal?”
Como assim o senhor japonês está a falar português?!
Por momentos achei que tinha entendido mal…
E fiquei estupefacta e começou uma conversa…
Ele tinha 87 anos, a esposa 85. Ele tinha sido professor universitário, para além de várias coisas, participou em conferências na Universidade de Coimbra e, por se ter apaixonado por Portugal e pela nossa história, decidiu aprender português em “regime auto-didacta”.
Mas ele não falava um português mal-amanhado.
Ele expressava-se com muita calma, mas falava um português muito correcto, um discurso muito bem alinhado e um vocabulário, que não obstante sair por vezes a conta gotas, era absolutamente irrepreensível. Não estou a exagerar.
Saíram-lhe da boca advérbios de modo, como um “nomeadamente”
Ele ia falando sobre o nosso país, fascinado pelos nossos azulejos e monumentos, falando na bravura do nosso povo que descobriu tanto deste Mundo.
A esposa olhava-o com admiração (mesmo entendendo menos a língua) e eu só pensava no quão surpreendente e surreal estava a ser aquele momento e já com medo que as torradas acabassem e com elas este encontro.
Estávamos na Suécia, um país que adoro, sentados com um casal japonês, curiosamente, um dos povos que mais me fascinou conhecer.
Nesse dia o Mundo alinhou-se para unir 4 pessoas improváveis de algum dia se cruzarem e de repente, tudo fluiu.
E é isto que precisamos, de acreditar que o Mundo vai voltar a alinhar-se.
Que o Mundo vai permitir que a nossa vida continue a fluir.
E, sobretudo, que precisamos uns dos outros. De mãos dadas e de coração perto.
E isso vai acontecer, porque é assim que tem que ser!
E ele (não consegui decorar o nome) disse que o povo português tem bravura na alma, eu acredito que sim.
Acredito que aqueles 87 anos, se Deus quiser hoje 90, não me iriam mentir.
#TudoVaiPassar
#FicarEmCasa
Fotografia:
Créditos: Até já
Kyoto, Japão
Novembro, 2018

