Palavras em tempo de pandemia #1 | Tudo vai passar. Mas nunca mais seremos os mesmos |
Nesta altura, no ano passado, já tinha feito muitas viagens.
Tinha conhecido sítios que me abraçaram em cada esquina.
Pessoas culturalmente diferentes de mim, mas que me ensinaram que o sorriso é aquele gesto universal que nunca falha.
Acabei o ano a olhar para o Muro das Lamentações, em Israel, e a sentir um medo incrível por algo que desconhecia.
Estava a chover. Fiquei a olhar para aquele muro com o coração aflito. Chorei sozinha porque sentia um medo difícil de descrever. Ainda eu nem imaginava o que era sentir medo.
Em voz alta nos altifalantes gritava uma língua que eu não conhecia. À minha volta pessoas de todos os credos e religiões.
Quando vim embora, virei (sem saber que não podia) as costas ao muro, de repente senti uma mão no ombro…
Uma senhora que rezava em alto o Torá interrompeu a reza e disse-me aos gritos que não podia virar as costas… por respeito.
Poucas semanas depois começou o vírus a instalar-se com toda a crueldade na China.
Para mim (talvez porque já lá estive) a China não fica do outro lado do Mundo.
Sempre achei que a propagação do vírus seria uma realidade mundial. Triste, mas uma realidade.
A minha quarentena começou em Janeiro, não por isso, mas por outras complicações de saúde.
Ainda se mantém e vai se manter enquanto o inimigo que decidiu varrer o Mundo cá andar.
Nunca disse: isto é só uma gripe.
Nunca disse: isto é exagero.
Os meus médicos também não.
Mas… sei que o processo (se é que há) passa por aceitar a realidade como ela é.
Lembro-me de ser muito nova e de ler o diário de Anne Frank e ela dizer que um dia acordou e tudo mudou.
Aqui também. Um dia o Mundo acordou e tudo mudou.
Sei bem qual o meu papel enquanto cidadã. Cumpro integralmente com tudo aquilo que me é proposto enquanto singular que actua em colectivo.
Não peço a ninguém para fazer o mesmo, porque, apesar de eu ser uma “pessoa de risco”, todos nós somos. Os nossos também são. Vocês que estão a ler também são. Uns mais que outros, mas todos somos.
Hoje escrevo talvez porque os meus textos sobre viagens neste momento ficam só para mim.
Hoje… e até ao dia que o Mundo volte a ser um sítio seguro para se dar abraços.
E escrever é como uma terapia, uma catarse, uma liberdade.
Aquela liberdade que neste momento não existe.
Poderia dizer que sinto falta de abraçar o Mundo, mas o que eu sinto mesmo falta é da liberdade de não ter medo.
O olhar para o Mundo sem medo.
As minhas inquietações não são diferentes das vossas. A angústia, o desconhecido, o difuso, o desfocado…
É esta a realidade que temos e é esta que temos que estar prontos para a viver.
Mesmo que nunca tenhamos pensado que isso poderia acontecer.
Alguém um dia disse.
“Juntos somos mais fortes.”
E hoje, apesar de não podermos estar juntos fisicamente, o amor que nos une ao próximo manter-nos-á juntos e fará toda a diferença nesta guerra contra este inimigo sem rosto.
#TudoVaiPassar
#FicarEmCasa
Fotografia:
Créditos: Até já
Muro das Lamentações, Israel
Dezembro, 2019